sexta-feira, 2 de outubro de 2015

“NUNCA AREPENDI DE TER REPRESENTADO AS CORRES NACIONAIS” – IBRAIMA SÓ

O internacional guineense ao serviço do Famalicão da 2ª liga portuguesa, Ibraima Só, disse, numa entrevista exclusiva ao Jornal “O Democrata”, que apesar da desorganização, nunca se arrependeu de ter optado por representar a selecção nacional da Guiné-Bissau. Porém, o médio defensivo disse que recebeu a sua primeira convocação para representar as cores nacionais com “grande entusiasmo” e até pulou de alegria pela ocasião.
 
“O DEMOCRTA” (OD): Nasceu cá na Guiné. Onde é que deu os seus primeiros toques na Bola?

Ibraima Só (IS): Sim. Nasci na Guiné e foi aqui também que comecei a jogar. Fui para Portugal aos 7 ou 8 anos de idade. Na altura, não levava nada sério e não tinha quaisquer expectativas em termos de careira profissional. Jogava apenas por gosto. Corria atrás da bola e gostava mais de atacar, mas como lhe disse antes, não era nada sério.

Fui para Portugal para estudar. O meu pai esperava por mim lá. Para mim era mais uma oportunidade de estudar.

OD: Foi para Portugal nos finais de 1996. Como foi a sua integração naquele país?

IS: Em termos gerais a minha integração foi fácil. Quando cheguei, tinha que fazer exames na escola para saber se ficaria no terceiro ano ou se ia para o segundo ano. Mas felizmente consegui apurar e fiquei no terceiro ano, graças ao pouco de português que aprendi cá na Guiné. Tinha um nível aceitável da leitura.

Em termos desportivos também a integração foi boa. Lembro-me que o Marítimo foi a primeira equipa onde fui treinar, e tive a simpatia dos colegas, da equipa técnica e dos dirigentes, mas infelizmente não podiam inscrever-me na altura, porque não tinha documentos.

Graças ao meu pai que sempre me mentalizou que sou africano e um emigrante e não podia iludir e me engar, sabia que tinha que trabalhar mais que os outros pois não bastava apenas ser bom, mas sobretudo ser muito bom e isso foi o que sempre fiz. Apesar de ser um país que me recebeu super bem, e com muitas oportunidades, mas tenho a noção da minha cor de pele e das minhas raízes. Sabia que devia dar muito mais de mim. Isso foi determinante na minha integração.

Sinto-me feliz hoje por ter conquistado o respeito dos colegas das equipas em que passei, os colegas da escola, dos vizinhos. Isso significa que consegui conquistar o meu próprio espaço.

OD: Como foi o primeiro treino?

IS: Naturalmente, não tenho uma memória bem presente do primeiro treino, mas lembro-me que foi no Funchal, num campo onde treinava o Marítimo A, que agora é onde joga a Equipa B do Marítimo. Lembro-me também que fiz bons amigos que até hoje preservei. Fiz cinco anos nas camadas de formação no Marítimo. Mais tarde encontrei-me com muitos colegas na selecção de Madeira. Ainda encontro-me com alguns noutras equipas em que joguei. Por exemplo, quando estive na Nacional de Madeira encontrei alguns. Tive bons amigos no Marítimo.

OD: Há pouco disse que quando estava ainda na Guiné, não levava nada a sério… Pois então quando é que começou a encará-lo como um desafio?

IS: Na verdade, acho que quando cheguei a Portugal vi que as condições eram favoráveis, então, comecei a treinar e a partir daí comecei a receber os primeiros elogios do técnico, dos colegas. Diziam-me algo assim, “vês que tens que esforçar para fazer sempre mais”. Acho que momentos assim influenciaram-me bastante, e fizeram com que acreditasse mais em mim mesmo.

OD: Sabemos que a sua posição inicial era avançado. Desde quando é que começou a jogar como médio defensivo, a posição onde hoje joga?

IS: Sim, a minha posição inicial era avançado. Eu fazia de ponta de lança e médio extremo, na qual, não só atacava bem, mas também recuperava muito bem a bola e era forte nas bolas áreas. Daí, o treinador achou por bem adaptar-me para meio campo, na posição 06. Também as características de passe que eu tinha também ajudaram a minha adaptação para essa posição.

Claro que a partir dos juvenis joguei sempre nessa posição. Acho que é natural, essa adaptação. Muitos grandes jogadores começaram como avançados e acabaram como médios defensivos, por exemplo Makelelé, que foi um grande jogador, antes de jogar como médio defensivo, jogou como médio extremo.

OD: Será que um dia chegou a pensar em desistir?

IS: Realmente há momentos em que pensei em desistir. Alias, até hoje há momentos em que pensamos que não vale a pena continuar. Por exemplo, no meu caso, aos 16 anos, já treinava com a equipa sénior do Nacional de Madeira, uma equipa que na altura estava na então Taça UEFA, actual Liga Europa. Em algumas equipas, por exemplo, passados dois ou três anos chega-se numa altura em que nem se quer o treinador conta consigo. Ele já não te convoca e há jogos que nem sais do banco de suplentes. Momentos assim são frustrantes, chega-se a pensar que não vale a pena continuar.

Eu já ajudei três equipas da terceira divisão a subirem para a segunda divisão, e ainda no ano passado fui eleito pelos colegas da equipa como melhor médio do clube. Mas mesmo assim, vejo colegas que tiveram menos desempenho que eu a serem levados para os clubes da primeira liga, isso por terem bons empresários. Nem fui convocado para a selecção Nacional. Tudo isso leva-nos a pensar em desistir, a chegar a pensar que já não faz sentido tanto esforço e sacrifício porque não teremos reconhecimento nenhum.

A própria família que te apoia começa logo a desacreditar nas tuas potencialidades e diz-te, “olha é melhor desistir e procurar outro emprego”. Porém no meu caso, chegou uma altura em que fiquei solitário nessa caminhada, não no sentido de apoio, mas sim, no sentido de que sou único que acredita na minha pessoa. De facto, há momentos em que ficamos super felizes, mas também há momentos que questionas qual é o sentido de tanto sacrifício.

OD: Será que o racismo não foi um dos obstáculos na sua carreira até hoje?

IS: Eu nunca o vejo como obstáculo, muito pelo contrário, vejo-o sempre como uma motivação extra. Porque tenho perfeita noção de que estou num país estrangeiro e tenho a perfeita noção que sou guineense, por mais gratidão que sinto por Portugal, sou culturalmente africano. Não me iludi de pensar que sou mais do que guineense. Tenho noção das minhas raízes.

Na realidade, se não perdermos essa noção, teremos de usar a cor de pele ou qualquer outra forma de racismo como um factor de motivação.

Não vou negar que não exista situações de racismo em Portugal ou na Europa em geral, todos fomos alvo dessas situações pelo menos uma vez. Por exemplo, se marcares um golo o adversário  tratam-te de preto ou macaco, só para te irritar. Por vezes, custa acreditar que foi a mesma pessoa que te cumprimentou momentos atrás, no início da partida. Mas eu não uso esse factor como desculpas para os meus fracassos.
OD: Como reagiu ao seu primeiro convite para representar a Selecção Nacional?
IS: Recebi a convocatória com muita alegria e até pulei de alegria por essa ocasião. Eu estava sozinho no quarto quando me comunicaram que fora convocado para representar a selecção e pulei de alegria. A minha primeira internacionalização foi num jogo amigável contra Guiné-Equatorial, a qual vencemos por 4-0, em Belém.

Lembro-me que quando estive na terceira divisão pela União de Madeira, quando acompanhava as convocatórias da selecção, dizia a mim mesmo que podia estar ali, pois estávamos no mesmo nível. Mas não sei porquê nunca era convocado. Acabei por perceber que era a opção do treinador, ou devido a falta de conhecimento dos jogadores pelos dirigentes. Como sabes, não temos uma grande organização ao ponto de ter conhecimento da evolução dos atletas guineense que militam no estrangeiro, independentemente da divisão. Portanto não tinha grandes espectativas de um dia ser convocado. Mas quando surgiu a oportunidade, fiquei super feliz, mas também fui realista comigo mesmo. Porque sei que sou a mesma pessoa que no ano anterior estava na terceira divisão a jogar bem, sou a mesma pessoa que no ano seguinte está a fazer a pré-época no Nacional e assinou um contrato profissional.

OD: Qual é a sua avaliação em relação ao aspecto organizativo da Selecção Nacional?

IS: Inicialmente, eu pensava que era falta de vontade, chegou uma fase em que pensei que, se calhar, era falta de capacidade, mas agora cheguei a uma fase em que não sei explicar de concreto. Porque é estranho. A organização de uma viagem não é dos aspectos que preocupa uma equipa de terceira divisão ou de distritais, se quer em Portugal.

Repare, temos potencialidades, mas o aspecto organizativo, às vezes constituem o entrave. Contudo, está a melhorar, por exemplo nesta ultima, frente a Congo, a organização foi muito boa. Perdemos pelos nossos próprios erros. Temos que ver pelos nossos erros e melhorar esses aspectos. Frente a Zâmbia tivemos problemas na viagem mas o estágio foi perfeito. Acho que com tempo tudo vai mudar.

OD: Sempre fala-se dos muitos jogadores guineenses em Portugal. Na sua visão qual é a real situação desses talentos?

IS: Temos muitos talentos em Portugal, com grandes qualidades e potencialidades, mas acho que há um problema estruturante desde a porta da chegada, a mentalização, o suporte que os leva daqui para lá, acompanhamento por parte dos empresários e das autoridades e até acompanhamento mediático.

O meu pai disse-me um dia: se te disserem que és “mal-educado” não te insultaram a ti mesmo, mas aos seus pais. Portanto se disserem que os jogadores guineenses gostam da noitadas, não se esforçam, trabalham pouco, na verdade não só estão a falar mal de si, mas também do seu país e dos que vieram depois de si. Repare, tudo isso é questão de mentalização. Portanto, a verdade indiscutível é que temos talentos, não só em Portugal como em outras partes da Europa.
Se adicionarmos uma boa organização aos talentos que temos e lhes incutirmos a mentalidade positiva, veremos que temos todas as condições para termos uma selecção respeitável, com participações constantes nas grandes competições africanas.
Como disse no início, trata-se da mentalidade. Vejamos, os jogadores de Costa de Marfim por exemplo, sentem-se orgulhosos em representar a sua selecção e o fazem com vontade. Mas nós dizemos que não vamos representar a nossa selecção ainda, porque temos esperanças de poder jogar na selecção portuguesa, e só decidem vir quando essas esperanças defraudadas.

Por exemplo, o Zezinho desde sempre representou a selecção nacional. Nunca colocou uma equação se quer e o faz com todo orgulho e vontade. Isso é uma questão da mentalidade, acho que é de jogadores assim que precisamos, aqueles que têm a mentalidade da Nação e que sintam orgulho de representar as cores nacionais. Não vejo nenhum mal em representar o meu país e ajudá-lo a ser grande, se puder ser grande lá fora, no futebol.

OD: Será que nunca se arrependeu de ter optado por representar a Selecção Nacional?

IS: Nunca me arrependi dessa decisão, aliás foi uma decisão muito importante para mim. Tomei-a com todo orgulho. Apesar da toda desorganização que assistimos ao longo dos tempos, nunca senti-me desmotivado e estou sempre disponível para vir, sempre que for convocado. Comuniquei  aos dirigentes do meu clube a minha intensão de vir sempre que for solicitado, mesmo para os jogos amigáveis. Portanto, nunca arrependi-me de ter tomado a decisão de representar a Selecção Nacional da Guiné-Bissau. Sempre é muito especial, vir para o seu país e ver que podes fazer algo para ajudar.

Para mim o desafio motivador durante a minha estadia na selecção é, portanto, conseguir grandes resultados, ter uma selecção que consegue encarar o adversário sem medo.

De referir que o internacional guineense Ibraima Só, de 27 anos, teve sete internacionalizações pela selecção principal da Guiné-Bissau e actualmente está ao serviço do Famalicão, da segunda liga portuguesa. É médio defensivo e este ano jogou todos os oito jogos da sua equipa somando 627 minutos. Conquistando  três vitórias, cinco empates e zero derrotas.

Fonte: O Democrata / ogologb@gmail.com




1 comentários:

Ernesto Bambuí disse...

Acredito que este homem será o futuro do sucesso do nosso país... Ele sim honrará o nosso povo por aquilo que é.

Postar um comentário